14 de out. de 2020

OIA

PATRIMÓNIO

Considerações paisagistas em Oia 

(113ª parte) 

 


ENCONTROS POLIORCÉTICOS / Oia        

 Vamos falar do mosteiro cisterciense de Santa María de Bouro, Concelho de Amares (Portugal). Eduardo Souto de Moura (prémio Pritzker, 2011, de arquitetura) tomou as rédeas para reabilitar "à maneira dele" a atual pousada. A sua pegada é palpável, respeita as pré-existências e dota-lhe de uma mistura de adustez, elegância e autenticidade que já quereriam os senhores vigueses da "RMO" (comparações são ordinarice até). Dispõe de 32 quartos inseridos no plano primitivo de maneira exponencial (mobilados aliás ao gosto do arquiteto). Vejam só este mosteiro do Císter português se afastar da tentação vulgarizante das novas arquiteturas (incluindo uma zona de proteção -ZEP-  estabelecida em 2005 pela Portaria n° 1277, de 21 de dezembro de 2005), conservando a sua isenção espacial de mínimos, muito ao contrário de um outro mosteiro do Císter comúm, Oia, com um projeto de EXCESSO CONSTRUTIVO e de banalização que é caso de bradar aos céus. ENATUR portuguesa (Empresa Nacional de Turismo) não brinca em serviço, tendo previsto fazer acompanhamento das suas pousadas com a supervisão da exploração dos estabelecimentos hoteleiros compreendidos nesta antiga Empresa Pública (1976) e Sociedade Anónima (1992), para além das revisões financeiras conferíveis desde o ano de 2002, a prevalência do Grupo "Pestana Pousadas" e a entrada de participação da Caixa Geral de Depôsitos (CGD). ENATUR, como o Programa REVIVE, são exemplos de gestão em mãos privadas conferindo-se ao Estado a possibilidade de previsão atempada, de fiscalização face a imponderáveis. Porém, a Sociedade Estatal espanhola SEGITTUR não está muito vocacionada para isso, nem sequer epidermicamente; falam de inovação e de reservas de praças turísticas com muita alegria ou frivolidade. Essa chicana turística, e urbanizadora também, tem a sua máxima expressão nos conluios existentes entre atores político-empresariais que nunca foram acompanhados a sério pela legislação paisagista, nunca. Começaram a casa pelo telhado e todos pagamos a fatura. Quem pode acreditar na aplicação rigorosa do recente Regulamento da Lei de Proteção da  Paisagem de Galiza a estas alturas do campionato? 

 


 


 Acham que "RMO" esteja verdadeiramente interessada em polir todo o processo paisagista, todo, em Oia? Nem por sombras! Querem escoar a tudo custo um produto especulativo e vendável desde uma ótica unidirecional, e mais nada. "RMO" deixa muito que desejar na questão urbanística (pensou que o desfecho do problema ia ser uma questão menor e, agora, "derrotados" os oponentes, quere afirmar com triunfalismo a entrega da praça monástica aos do betão e tijolo). A través da análise artística queremos evidenciar a falta de cultura monástica em termos latos destes senhores da "RMO", privados de um fator essencial qual é o espírito primigénio do ser cisterciense (missão, universalidade, penetração no mundo laico atual). Não será obviamente aquele "ora et labora", antes bem uma epistemologia patrimonial, disciplinada, organizativa e espacial que vai reger âmbitos de necessária exclusividade dos bernardinos. Na realidade, "RMO" não devia debruçar o seu focinho nesta matéria, definitivamente, visto que a ordinarice destaca num discurso que se torna, a fim de contas, absolutamente suplementar se repararmos no objectivo final da consignatária. É tal o rejeitamento que produzem os falsos patrimonialistas que, chamados todos nós a capítulo, deviamos era dizer-lhes com clareza e frontalidade um "NÃO, OBRIGADO" bem sentido. Ou talvez transmitir-lhes esse "MENOS" de necessidade. A autenticidade deve abranger um relato também oral e direto para ser credível; está a falhar estrepitosamente qualquer debate sobre o mosteiro de Oia por causa de uma indissimulada arrogância de uns e a prática política indecorosa de outros. Eventualmente, pôr-se-á em funcionamento um dedo acusador e neutral que ponha as coisas no seu sítio.  

Vamos relatar o modo como foi criada esta pousada em Bouro. Projeto de 1989 e concretização em 1997, a ENATUR vai aliciar sobre uma superfície de 7.300 m2 e custo de 7.980.766,35 €, sendo contratista geral o grupo "Soares da Costa", um projeto de reabilitação do mosteiro de Santa María de Bouro em todas as suas dependências com exclusão do templo. Para isso contou com um conceito abrangente e minimalista da própria ruina até poder ter autonomia para atuar sobre ela. Souto de Moura desenha um plano transformador que não irá alterar o invólucro monacal mas sim o seu interior. Mantém-se o visual todo de aparato, a externalidade espacial e a imponência de uma ruina que só se reafirma. Os colaboradores do arquiteto referem: "Este projeto tem como objectivo adaptar, ou antes bem, fazer uso das pedras disponível para construir um novo edifício. Trata-se de um novo edifício, no que várias vozes e funções (algumas já registadas, outras ainda por se construir) intervêm; não é uma reconstrução do edifício na sua forma original. Para este projeto, as ruínas são mais importantes do que o "Convento", são elas que estão abertas e são manipuláveis, tal como o edifício o foi durante a sua história. Esta atitude não tem a intenção de expressar ou representar um caso excepcional que justifique algúm manifesto original, antes bem tentar cumprir com uma regra da arquitetura, mais ou menos inalterável a través do tempo. Durante o processo de desenho, procurou-se uma lucidez entre a forma e o programa. Perante dois caminhos possíveis, optou-se por rejeitar a consolidação pura e simples de ruina a bem da contemplação, optando no seu lugar pela introdução de novos materiais, usos, formas e funções "entre les choses", como disse em tempos Le Corbusier. O "pitoresco" é uma questão de sorte, não é parte de um projeto ou programa".     

 Obra de Souto de Moura deixa que a "pretensa" ruina recupere um rol nos novos tempos. Fábricas antigas ao relento são revividas; silhares e alvenarias tornam a recuperar presença com os vãos ao nú (e aqueles envidraçados ou com as velhas grades ou guarnições superiores). Capialços, bufardas, cornijas retas e curvas e pináculos ficaram tal qual, bem como aqueles dentes ("adarajas", esperas) a evidenciar derrubos. Ménsulas a sustentar  tabuleiros, ou simplesmente amatacanadas. Nas salas interiores e corredores temos espaços minimalistas mas tradicionais. Escadaria com corrimãos em "S" são contemplados desde diversos ângulos. O granito dos panos faz jogo com os rasgos de janelas e com as trepadeiras vegetais. Saibro aos nossos pés ou tijolo em espinel forram o chão portas afora. Claustro sem cobertura junto de placas a cobrirem as alturas de velhos alçados desmochados definem uma reabilitação válida.

 Artigo precedente.

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