5 de out. de 2020

OIA

PATRIMÓNIO

Considerações paisagistas em Oia

(112ª parte)

 


ENCONTROS POLIORCÉTICOS / Oia   

 "A paisagem ferida", tal é o título sobre Nova Arquitetura dado pelo historiador da Arte, Paulo Pereira, no seu livro "Arte portuguesa, história essencial". No seu trabalho faz alusão aos demónios familiares em que viu-se submerso o mundo dos ateliês, dos gabinetes de desenho arquitetónico (a uniformização, a constante presença dos padrões ou as inércias da concorrência). Refere assim: "Hoje, a arquitetura fala-se 'no abstrato'. Sem modelo académico, é, mais do que todas as coisas, uma pura invenção do homem. Carece de qualquer referente natural. O objeto arquitetónico moderno ou contemporâneo situa-se numa espécie de vazio, em princípio sem constrangimento. Do ponto de vista conceptual, é um 'fenómeno originário'. E quando se pensava, não há muito tempo, que a arquitetura regressaria ao "lugar" (quer dizer, a outra coisa mais localista e referenciada,  eventualmente mais "naturalizada"), o certo  é que a arquitetura se desprendeu ainda mais dos seus referentes tradicionais  (a arquitetura erudita, o contextualismo, a filosofía) para ser referente de si mesma, acentuando a sua dimensão de 'arquitetura-arquitetura'. E, ao fazê-lo, abriu-se a um cruzamento polimórfico com outras realidades, que passam pelas novas técnicas construtivas, mas também pela aparente imaterialidade conceptual imposta pelas estratégias comunicacionais, desmaterializando-se. O estatuto atual do arquiteto é paradoxal. Entre a necessidade de atender a expetativas sociais correntes (o trabalho monótono do profissional arquiteto) e a afirmação de uma linguagem própria (o trabalho jubilatório do arquiteto-autor/artista), o arquiteto do século XXI tornou-se num 'gestor de formas'. As peças de arquitetura são cada vez mais determinadas por uma complexa 'rede de variáveis', porque o que se quer da arquitetura e do arquiteto é que contribuam para a "qualidade de vida". O pragmatismo impera e a desmaterialização da arquitetura enquanto disciplina também, súbitamente avanzada pela engenharia 'hi-tech', pelas redes informacionais,  pelos pressupostos ecológicos, pela circulação virtual da riqueza, vê-se assim obrigada a dar resposta a novas metáforas (alegoria, translação entre formas,...). 

 


  Um dos impulsos mais recentes da 'perceção estética contemporánea' é o que levou àquilo a que costumamos chamar a "monumentalização da vulgaridade". Desde a década de 80, e especialmente a partir dos anos 90, a entrada em cena da "fotografía objetiva", que, entre outros projetos, se dedicou ao registo tal e qual de 'entidades urbanas' (bairros sociais ou bairros degradados, estruturas de equipamento urbano em ruínas ou aparentemente esquecidas) produziu efeitos de receção, reconhecimento e alastramento que têm consequência na nossa maneira de perceber o território - e, neste, de perceber o que se pode ou não considerar 'património arquitetónico (não se pode preterir nestes tempos esse "minimum" exigível..., díga-se de passagem). Assim sendo, não admira que a sutil relação numa mera metáfora se torne numa encrenca considerável a nível construtivo. Lembrem então os hologramas das residenciais, das vivendas seriadas ou pareadas, das promoções habitacionais de costa e descubram a sua parte de mentira, a sua treta. Viragem da visual, aspeto francamente diferente do inicial, serão as surpresas vindeiras destas urbanizações. Muito em primeiro lugar, "RMO" faz um exercício de 'horror vacui' exponencial no caso de Oia e assenta o discurso endogâmico, centrípeto e excluinte relativamente as vivendas próximas, embora oculte que esse adensamento "cuidadosamente" organizado polua paisagisticamente um todo espacial; sensação de recheio vai acompanhada de metástase e afunilamento numa zona onde as alturas são evidenciadas pela cota altimétrica. Precisamente, será esse pormenor que provoque futuros prédios emperiquitados, tesos, onde a taxa de edificabilidade suporá um claro exagero. Não se entende a orientação unilinear de boa parte dos prédios considerados nesse plano urbano. Não sabemos quantos metros quadrados tem cada um deles e ainda menos os metros cúbicos ao total. "RMO" desenvolve na sua urbe "ecológica" uma variante suave de seriação industrial, um experimento quase que holístico a base do escoamento rítmico de unidades morfológicas gêmeas, mono-formais, impessoais. Pano de fundo será um plano radicalmente egoísta donde não contam "os outros". Esses outros têm o direito e o  dever de poderem se rever no seu tradicional hábito visual, hoje comprometido e futuramente transformado em conformismo visual. Um estudo das bacias visuais desde diferentes pontos de observação revelar-nos-á boa parte do esquema da "RMO". 

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