13 de out. de 2018

A GUARDA

PATRIMÓNIO

O assédio da Fortaleza da Guarda, segundo o “Mercúrio Portuguez”


ENCONTROS POLIORCÉTICOS / A Guarda

 Vamos fazer uma transcrição ao português atual duma crônica redigida no jornal “Mercúrio Portuguez” sobre o conflito de Portugal e Castela na chamada Guerra de Restauração. Esta paragem no tempo tem servido de utilidade a curiosos e estudosos, sendo bem interessante  a alusão à vila da Guarda na página 239 do original, que digitalmente traduz uma outra página, a 509. A Biblioteca Nacional de Portugal, oportunamente, blindou este documento de 812 páginas para o disponibilizar quem quisesse. O autor era António de Souza de Macedo, na altura Secretário de Estado em Lisboa. Presentemente, estas crônicas tem sido utilizadas num trabalho recente que visou em certa maneira “galeguizar” uma contenda que era internacional. O tom deste documento, conciso, jornalístico e interviniente na causa governamental de Castelo Melhor e o rei Afonso VI, a defesa da nação lusa e a diagnose, inclusivemente, de determinadas doenças” da Castela em relação à guerra, convertem a obra numa crónica excepcional. Pioneiro dos relatos bélicos do momento, sucedeu um outro jornal, a “Gazeta”, que tinha interrompido o prelo em 1647. Também neste pormenor evidenciava-se a influência  francesa  da “Gazette” de Renaudot. Assim, o “Mercúrio Portuguez” teria corta mas intensa vida (1663-1667) dando fé de ocorrências multifacetadas e incorporando nalgumas passagens a própria língua castelhana.    

 Relativamente à vila da Guarda diz: “No Porrinho se acabou de conhecer que o tempo terrível do inverno e a aspereza dos caminhos impossibilitava totalmente se adiantar o exército com carruagens e outros embaraços, que costumam trazer.  Voltou (Conde de Prado)  à vila da Guarda, tomaram-se sobre ela os postos, em doze deste (Novembro de 1665) e o inimigo desamparando-a logo, reduziu-se a um grande forte que há pouco tempo fabricou no alto com quatro baluartes e quatro meias luas, a melhor fortificação de toda Galiza; e achava-se guarnecido com mil e setecentos infantes e duas companhias de cavalos  (além de outra de que os cavalos estavão desmontados), com dez peças de artilharia e um Governador Mestre de Campo e muitos e bons Oficiãis que lhe  assistiam.     

 Defenderam-se os sitiados oito dias com grande esforço, respondendo com arrogância a algumas chamadas que se fizeram para que se entregassem, e a cavalaria particularmente fez sortidas valerosas, de que quase toda se recolheu ferida. Porém, os nossos, impacientes da demora das baterias de artilharia que prantaram, caminharam intrepidamente apressados com ataques até a estrada coberta; e com a maior ousadia a assaltaram por três partes à meia noite. Opuseram-se os inimigos animosamente; houve um furioso combate cheio de horror e confusão a ferro e logo de que os inimigos lançaram muito, entramos finalmente à custa de muito sangue. Começamos a picar as muralhas interiores, que os sitiados ainda defendiam bem, mas vendo-se ameaçados de minas próximas a voar acomodar-se-iam com a fortuna, porém ainda, briosos, ou desarrezoados, pediram demasias. Negou-lhas o Conde de Prado com soberania; e então a necessidade os reduziu a aceitarem as capitulações que o vencedor lhes quis conceder. Concedeu-lhes uma peça de artilharia qual lhes mandasse nomear com suas armas e as mais condições honradas em semelhantes casos ficando-nos os cavalos das três tropas (em que eles fizeram grande reparo) e tudo o mais que estava na praça, que foi muito, principalmente de mantimentos.    

 Aos 21 (Novembro de 1665) sairam mil setenta soldados pagos e seiscentos auxiliares, dando-se-lhes convoy até Tui. Ficariam 30 ou 40 mortos, e seriam feridos quase cem. Dos nossos se tem entendido que morreriam 70 e ficariam feridos duzentos. Quatro dias se deteve o exército em reparar as ruinas, e ordenar o necessário à praça, comunicando-a com a vila; e deixando o Conde de Prado no forte 800 infantes pagos e 600 auxiliares, e três tropas de cavalos e mais dois meios canhões, e outra peça de artilharia, com as munições, e mantimentos convenientes, retirou-se o nosso exército para a nossa praça da Conceição, no mesmo reino de Galiza, e de alí para seus quartéis por ser o inverno tão entrado. Ficou este forte, e praça de Guarda de grandes consequências, porque, ainda que o porto de mar não seja para embarcações grandes, e dentro do reino de  Galiza, e incomodava o nosso porto de Caminha. Segura melhor a nossa praça da Conceição; domina muita terra para se avirem muitos lugares, e para se poderem alojar nossas tropas, e correrem muitas legoas, com que os portos de Baiona, e Vigo estarão sempre inquietos. Finalmente, alarga o nosso senhorio na quele reino, e nos lugares vizinhos temos já avindos, tributários, e obedientes mais de quatro mil casais, com grande contentamento seu”. 

 As ilações que disto se tiram são várias: Que as tropas portuguesas invadiram com facilidade o Baixo Minho, chegaram a Porrinho destruindo feitorias, moendas, instrumentos e mantimentos e depois queimaram Bouças. Os invadidos retiraram-se a Redondela e Pontesampaio; todavía, o exército luso foi freado por causa das intensas chuvas, sendo que optara por se retirar à vila da Guarda. Lá, dá assédio ao forte (cuja principal característica, e razão poliorcética, era a sua obra defensiva externa e o domínio visual do mar e do estuário do Minho - hoje deturpado por atentado paisagista- e assenta uma segunda poliorcética junto de Caminha e o forte da Conceição de Goião. 

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