28 de ago. de 2021

OIA

PATRIMÓNIO

Considerações paisagistas em Oia  

(164ª parte)  


Templo-fortaleza de Uxué (Navarra)

ENCONTROS POLIORCÉTICOS / Oia

 Vamos  fazer  uma  paragem  no  Forte  de  Ínsua,  exemplo  de  mimese  entre  funções  religiosas  e  militares,  e  falar  da  sua  adesão  ao  'Programa  REVIVE'  (com  mais  sombras  do  que  luzes,  seja  dito  tudo).  ICOMOS - Portugal,  através  de  um  dos  seus  mentores  principais,  o  arquiteto  José  Aguiar,  não  poupava  críticas  para  um  sistema  de  cedências  aos  privados  em  troca  de  uma  'mais  do  que  pouca  coisa'  efetiva.  'Encontros  Poliorcéticos'  fez  um  desconto  para  o  'REVIVE',  ingénuo  talvez,  no  caso  de  Santa  Maria  de  Bouro,  obra  de  Souto  de  Moura.  Mas  a  realidade  fez-nos  ver  que  tudo,  provavelmente,  tratava-se  de  uma  miragem.  Anos  atrás,  José  Aguiar  opinava  assim:  "Os  Monumentos  Nacionais  não  têm  de  ser  todos  pousadas  e  hotéis  sem  charme  (parecem  ter  charme,  mas  não  têm  charme  nenhum)".  "Como  se  estivéssemos  no  grau  zero  de  uma  (desadequada)  política  de  gestão  patrimonial  passa-se,  perversa  mas  constantemente,  para  a  opinião  pública  a  ideia  de  que  todos  os  fortes,  antigos  conventos  e  palácios  têm  de  ser  hotéis  de  charme  ou  (desmesuradas)  pousadas.  A  conversão  de  monumentos  nacionais  em  pousadas  (e  agora  os  "hotéis  de  charme"  da  moda)  foi  uma  das  ações  históricamente  mais  destrutivas  - dos  valores  estéticos,  arquitetónicos  e  documentais -  e  socialmente  estigmatizadas  da  nossa  tradicão  restauradora.  Essa  história negra  deve  ser  relembrada  agora  que  se  multiplicam  as  vendas,  ou  cedências,  de  monumentos  nacionais  na  posse  do  Estado  para  usos  privados  com  fins  lucrativos  que  EXCLUEM,  ou  LIMITAM  FORTEMENTE,  A  FRUIÇÃO  E  O  ACESSO  DE  TODOS  OS  CIDADÃOS  A  ESTES  RECURSOS  CULTURAIS  E  IDENTITÁRIOS  (de  todos) ".


Igreja acastelada do Gardeny (Lleida)

 'DiverLanhoso',  o  seu  representante  Hercílio  Costa,  promete  só  20  quartos  para  a  Ínsua  (esta  empresa  gere  o  'Parque  Aventura'  em  Póvoa  de  Lanhoso..,  todo  um  exemplo  de  atitude  'MACRO'  à  qual  sempre  apresentaremos  contestação).  Miguel  Alves  também  promete  isso,  que  vai  ser  respeitado  o  enformado  monacal-militar  e  por  aí  fora.  Até  um  arqueólogo  alí  destacado  assegura  o  mesmo.  Mas  eles  semearam  a  desconfiança  e  esta  'DiverLanhoso'  não  é  recomendável,  gerindo  "daquela  maneira"  os  seus  negócios  (futuro  empirosamento  da  ilha  abase  de  escapismos  junto  de  empresas  caminhenses  de  lezer).  O  problema  é  que  ao  início  falam  de  vinte  quartos  para  logo  acrescentar  essa  quantidade;  o  problema  é  que  um  hotel  de  quatro  estrelas  tem  mini-industrias  a  ele  coladas  ligadas  à  manutenção  do  próprio  complexo  - tratamento  de  roupas,  produção  de  comidas - ;  o  problema  disto  tudo  é  que  já  ha  precedências  (vejam  'Fortaleza  de  Peniche',  sobreutilizada  pelo  facto  omnipresente  da  "razão- hoteleira",  contestada  pelo  próprio  Álvaro  Siza  Vieira,  quem  diz  haver  fortes  pressões  turistificadoras  na  'REVIVE'  e  fora  dela.  Mas  atenção,  vem  mesmo  a  calhar  um  apontamento  endereçado  ao  próprio  Siza  Vieira  no  sentido  dele  confundir  a  adequação  da  sua  ponte  com  o  Forte  Novo  de  Goião  com  a  inegável  ANTROPIZAÇÃO  dessa  envolvente,  verdadeiro  miolo  do  assunto).  O  que  é  que  pensam  fazer  com  o  concessionado  'Forte  da  Barra  do  Aveiro'  e  outros  tantos  fortes  costeiros,  restringidos  à  visita  pública  visto  eles  passarem  a  mãos  privadas?  'Moderna  Economia  Hoteleira'  chegou  ao  Minho  em  força  e  está  a  fincar-se  da  mão  dos  privados  que  desrespeitam,  muito  em  primeiro  lugar,  o  direito  ao  desfrute  público,  sem  entraves,  dos  monumentos  ou  bens  culturais.  Há  um  algo  de  inconsistente  neste  empreendimento  de  6,5  milhões  de  euros  onde  Miguel  Alves  arrisca  tanto  politicamente.  Se  este  investimento  der  para  o  torto,  paisagisticamente  falando,  somos  todos  os  afetados.  Teria  de  ser  equacionada  atempadamente  uma  otra  solução  a  falar  de  uma  frontal  reabilitação  sem  contrapartidas  (no fundo  são  chantagens...)  que  impedisse  essa  aludida  "linguagem  hoteleira"  num  cenóbio.  Algo  está  a  deturpar  o  espírito  de  sempre  no  lugar;  um  lugar  que  pode  ser  comparado  com  o  'Forte  das  Berlengas'  em  Peniche,  desde  o  ponto  de  vista  paisagista.  Cartão  de  visita  no  Minho  fluvial  vai  ser  um  mau  começo,  já  esta  a  sê-lo.   


Loarre, templo-fortaleza (Huesca)

 Desenho  militar  do  forte  consiste  na  absorção  de  um  rectângulo  religioso  por  um  quadrado  planimétrico,  isso  vê-se  logo.  As  dependências  perimetrais  serão  teoricamente  aproveitadas  para  quartos.  Não  há  garantias  nenhumas,  à  partida,  de  salvaguardar  alturas,  bem  como  de  coadunar  a  igreja  de  nave  única  e  claustro  com  um  resto  digamos  "civil  de  charme".  Isto  é  contrasenso,  é  deturpação.  Arranjo  de  uma  embarcação  própria  da  'DiverLanhoso'  para  levar  operários  de  ida  e  volta  e  cumprirem  a  sua  jornada  laboral  fala  talvez  de  um  desafio  que  vai  demorar  o  seu  tempo,  com  certeza.  O  dado  mais  negativo  do  'Programa  REVIVE'  é  a  continua  cedência  aos  privados  sem  as  necessárias  exigências  prévias,  tal  como  ficam  estabelecidas  nas  normas  internacionais  (Carta  de  Atenas  do  Restauro,  de  1931;  Carta  de  Veneza,  de  1964).  Na  Galiza,  estes  textos  são  simplesmente  obviados  com  total  descaramento,  podem  acreditar  nisso.  

(Continuará) 

Artigo precedente. 

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