CINEMA
Boletim da Sessão nº 504 - "Viagem em Itália" de Roberto Rossellini (1954)
Sexta-feira, 12 de agosto às 21:45 no Teatro Valadares
Lotação Limitada. Entrada Gratuita.
Locus Cinemae / Caminha
(…) Aparentemente, nada se passou de particularmente interessante. Mas, nesses cinco minutos de filme, quem for capaz de ver, viu o essencial. A viagem é conduzida pela mulher, como sempre o será ao longo do filme, porque é ela quem vê quase tudo o que o marido não vê, como é ela quem o chama no final.
Mas ela sem ele não existe. Por isso, ele tem de conduzir também e tudo o que lhe acontece, depois, é tão fio condutor quanto o que lhe acontece a ela. Em cada bifurcação, há sempre duas possibilidades. Seguir o que está predeterminado implica deixar aberto o desconhecido. A qualquer plano ou ordenação sobrepõe-se a desordem e o imprevisto: bois não querem saber de Bentleys e podem parar – ou atrasar – uma viagem. Uma mancha de sangue pode não ser uma tragédia mas pode não ser tão banal como parece. Na vida não há símbolos, há sinais. A cada momento, cada sinal.
E é a acumulação de todos esses momentos e de todos esses sinais que, a cada momento e a cada sinal, vai minando aquele homem e aquela mulher que parecem fatalmente seguir numa outra direção (a ruptura) e não menos fatalmente estão a seguir noutra (a redescoberta). Quando perdem o pé (o carro, a casa, a direção, a estrada), tudo o que de vital e mortal se acumulou neles explode, tão irracional e tão racionalmente, como a fé da multidão no milagre da Virgem. E é essa explosão – essa erupção, essa ionização, se quisermos ficar ao pé dalgumas imagens do filme – que os atira um para o outro, no mesmo abraço dos cadáveres de Pompéia. Talvez que eles também – que sabemos nós? – não estivessem a fazer amor, nem mesmo se amassem. Talvez que, surpreendidos pela erupção do Vesúvio, se tivessem agarrado para não morrerem sós. Só que dois corpos juntos, juntos mesmo, dois mil anos ou dois segundos, são o milagre total. No Evangelho de Pseudo-Tomé há uma variante, mais profunda e mais certeira, da conhecida passagem dos sinópticos em que se diz que a verdadeira fé move montanhas. Em vez da passagem: “Se tiveres a verdadeira fé e disseres àquela montanha move-te, a montanha mover-se-á”, diz-se: “Se um homem e uma mulher viverem em verdadeira paz um com o outro e um deles disser àquela montanha move-te, a montanha mover-se-á.” Em vez da fé, a caridade. É o cerne do cinema de Rossellini.
Nem eu nem ninguém vos pode jurar que, regressados ao carro ou a casa, Alex e Katherine não recomecem as quezílias. Mas o milagre aconteceu. Não é bom que o homem ou a mulher estejam sós. Viaggio in Italia, como disse Rohmer, é um drama com três personagens. O terceiro é Deus. E em Viaggio in Italia quem O não vir não vê nada.
É só um filme? Precisamente.
João Bénard da Costa
http://www.focorevistadecinema.com.br/FOCO1/benard-viagem.htm
FICHA TÉCNICA:
Título original: Viaggio in Italia, Itália, França, 1954
Realização: Roberto Rossellini
Produção: Adolfo Fossataro, Alfredo Guarini, Roberto Rossellini
Argumento: Vitaliano Brancati e Roberto Rossellini, baseado em “Duo” de Colette
Música: Renzo Rossellini
Fotografia: Enzo Serafin
Montagem: Jolanda Benvenuti
Distribuição: Titanus Distribuzione
Duração: 97 minutos
FICHA ARTÍSTICA:
Ingrid Bergman: Katherine Joyce
George Sanders: Alexander ‘Alex’ Joyce
Maria Mauban: Marie
Anna Proclemer: A prostituta
Paul Müller: Paul Dupont
Leslie Daniels: Tony Burton
Natalia Ray: Natalie Burton
Jackie Frost: Betty
Programação
Ciclo Play it Again
12 de agosto, “Viagem em Itália”, Roberto Rossellini, Itália / França, 1954, Sessão 504 (M/12)
19 de agosto, “Vertigo – A Mulher que viveu duas vezes”, Alfred Hitchcock, EUA, 1958, Sessão 505 (M/12)
26 de agosto, “Setembro”, Woody Allen, EUA, 1987, Sessão 506 (M/12)
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