17 de xul. de 2020

OIA

PATRIMÓNIO

Considerações paisagistas em Oia
(102ª parte)



Anunciada de Urueña. Estilo lombardo


ENCONTROS POLIORCÉTICOS / Oia      

 Conferência de Nara sobre a AUTENTICIDADE, de 1994; Carta do Património Vernacular Construido, de 1999; Convenção Europeia da Paisagem, de outubro de 2000 ou Declaração de Newcastle sobre Paisagens Culturais, de 2005, bastavam para reprovar as pretensões de uma consignatária que tenciona alterar tudo em Oia sob o álibi do "potencial económico do Património". Com uma linguagem lisonjeira que causa fartura pretendem concretizar um empreendimento urbano costeiro que devia era ser banido do mapa sem contemplações. Há muito texto legal que simplesmente não se cumpre. Ficamos estonteados com a lata destes senhores da "RMO" que ainda teimam em falar de projeto urbano para Oia a menos de 70  metros do claustro incompleto dos Laranjais (a sua alteração ou fecho constitui atentado patrimonial). É nos Laranjais que começa uma história muito mal contada, dado se alterarem os princípios recolhidos na Carta de Veneza ou na Conferência de Nara. Vamos dar prevalência aos aspetos estilísticos, germe das considerações mais puras e isentas por forma a libertar mosteiro de Oia de tanto oportunismo e de tanta desculpa esfarrapada. A primeira será a dos condicionantes estabelecidos nas visitas guiadas, onde primam atitudes alcanforadas e rígidas consistentes num roteiro parco, limitado, donde são preteridas as componentes poliorcéticas. Oia é um recinto defensivo com espaço próprio, um espaço vital irrenunciável que pede largas decenas de metros. Para além disso, sob a desculpa da prevenção e do cuidado do visitante protelam-se zonas concretas do mosteiro e acautelam-se outras, furtando-se assim o sentido todo da visita. Na realidade, desresponsabiliza-se a quem quer mais informação; de facto, aplica-se um tratamento adocenado face um público alvo. Aquilo que mais teme a "RMO" são as discrepâncias, não há réstia de dúvidas. Quanto às bostas de vaca (vilas turísticas) precisam tanto de ressarcimento que premiá-las-iam sem rubor. Prémios justificam muita patifaria ulterior (confiram isto no Forte Novo de Goián e a sua envolvente, ponhamos por caso).   
 
 San Miguel de Lillo. Arte Asturiano


 A arte românica tem alicerces que fundamentam a originalidade do solar hispânico relativamente às suas raizes. Já a inicios do século XI existia uma tradição arquitetónica amadurecida que possibilitou o assento de um estilo românico pleno, próprio e europeu. A tradição construtiva visigoda (s. VII), os monumentos asturianos (s. IX) e as igrejas mozárabes (s. X) criaram uma base indiscutível para um românico característico nosso, de tanta pujança e personalidade como o francês. Falar de pré-românico espanhol é falar de soluções várias a nível de abóbadas, de plantas, suportes. Houve soluções estruturais atempadas decorrentes da conjunção de fatores tais como a geografía política entre norte e sul, a chegada à fronteira do Douro dos cristãos, a deslocação de mozárabes para o norte duriense e, noutro ordem de coisas, a evolução a um e outro lado da Marca Hispânica do chamado Primeiro Românico Internacional, do qual Catalunha converteu-se em bandeira portante. Esse românico lombardo chegou paradoxalmente a terras castelhanas (exemplo disso será a igreja da Anunciada em Urueña, Valladolid), sendo que estas aportações todas juntam-se no norte da Castela, e a relativamente poucos quilómetros, fazendo realidade um repertório físico de templos verdadeiramente admirável. São a semente de tudo o que viria depois. Fazendo resumo dos acréscimos estilísticos que perfazem um qualquer mosteiro do Císter (base pré-românica, elementos estruturais monacais, românico tardio e influência jesuítica no caso da fachada de Oia, para além do barroco sineiro) dispomos de um elenco artístico alargado que abrange séculos de criação. Menção inicial do templo de Wamba vem reforçado com os exemplos de San Cebrián de Mazote (mozárabe) e Anunciada (lombardo), elementos basilares em que se apoia o românico peninsular. Aliás, é de um interesse extraordinário somarmos citação da chamada Rota portuguesa do Românico (sem a qual não se entende nem Oia, nem o caminho sul a Santiago). Rota do Românico  que tem sido labelizada na cidade de Lousada (Centro de Interpretação) e em Abragão (Centro da Escultura Românica), atingindo um considerável sucesso e deixando de parte outras considerações que são do foro da especulação ou o urbanismo costeiro. Incidindo nestes pormenores saberemos separar o trigo do joio, visto que a pretexto de um mosteiro cisterciense costeiro querem edificar vinte prédios monoformais (sim, prédios!) como se nada fosse. É por isso que estudo das precedências e dos estilos manifesta-se da máxima importância, justamente para antagonizar, para neutralizar os falsos patrimonialismos. Assim sendo, resta dizer que ao oeste peninsular chega a arte asturiana ou mozárabe, sentando umas bases estruturais cuja formalização basear-se-á no granito e na silharia bem esquadrada enformando construções compactas e até acasteladas. Atrás ficam tijolo ou calicanto, próprias do românico mudéjar (Sahagún, Arévalo, Cuéllar) sublinhando-se um estilo comúm galego- português. Contudo, reminiscência isolada de Castro de Avelãs (Bragança) será digna de nota, dado assemelhar-se com templos da Meseta.     


 San Cebrián de Mazote. Mozárabe


 Rota do Românico abrange concelhos de Paços de Ferreira, Paredes, Penafiel, Castelo de Paiva, Felgueiras, Amarante, Marco de Canaveses e outras vilas históricas. Vale do Sousa regista mosteiros como Santa María de Pombeiro, em Felgueiras; São Pedro de Ferreira, em Paços de Ferreira; São Pedro de Cête, em Paredes ou São Salvador de Paço de Sousa, em Penafiel. No rio Tâmega, contabilizam-se quatro mosteiros: Santa María de Vila Boa do Bispo, em Marco de Canaveses; Salvador de Travanca, São Martinho de Mancelos e Salvador do Freixo de Baixo, em Amarante. No Douro temos o mosteiro de Santa María de Cárquere, em Resende, bem como mosteiro de Santo Andrés de Ancede em Baião. Ao total, são 58 monumentos (igrejas, capelas, memoriais, pontes, castelos e torres senhoriais) constituintes de um roteiro nortenho português que deve ser sublinhado sem quaisquer rodeios e previamente ao Caminho Português de Santiago. Conotação entre a expansão deste estilo e a organização da terra e a sua ocupação é um dado adquirido. Românico luso está totalmente ligado às paróquias eclesiásticas rurais e aos mosteiros que se fundaram ou reconstituiram nos séculos XII e XIII. A igreja no norte é uma construção simples, de uma nave e teito em madeira bem como um ábside rectangular; no entanto, têm também planta basilical de 3 naves, transepto e ábside (junto de 2 absidíolos terminais circulares ou quadrados). Repositório destas unidades é vastíssimo, assim como a sua riqueza iconográfica.  Temos igualmente uma pegada mozárabe em São Pedro de Lourosa (Coimbra), São Pedro de Balsemão (Lamego), na catedral de Idanha-a-Velha ou na igreja de São Gião na Nazaré. Reformas monásticas seguem a estas manifestações pré-românicas: Cluny depois de 1086; Císter em 1144; Agostinhos depois de 1131. Erguem-se em simultâneo as catedrais de Porto, Viseu, Coimbra e Lisboa. Cada capítulo histórico de Portugal é reforço dos caminhos a Santiago; não há um invés interesseiro que queira sagrar Caminho Português à medida de um interesse empresarial sediado em Vigo. Císter luso é complementar de Oia (nomes como Tarouca, Salzedas, Fiães, Amares, Bouro ou Aguiar têm renome próprio). Da mesma maneira que a ordem beneditina abana com orgulho Ganfei, Carvoeiro ou São Martinho de Tibães. Convém lembrar uma informação de 21 de julho de 2017 no informativo "Minho Digital" relativa à Rota Cisterciense do Alto Minho-Galiza, promovida por gentes de Melgaço e Arcos de Valdevez (Manuel Rodrigues, de Fiães; Belmiro Amorim, de Ermelo; Raúl Fernándes, de Parada do Monte; Cesar Maciel, de Castro Laboreiro; Custódio Branco, do Soajo e João Paulo Torres, arcipreste de Melgaço). Císter alto-minhoto está representado pelos mosteiros de Sanfins de Friestas (Valença do Minho), Santa María de Fiães (Melgaço), Nossa Senhora da Orada (Melgaço), Santa María de Ermelo (Arcos de Valdevez), mas também por Santa María do Bouro (Amares) ou Santa María das Júnias (Montalegre), ligando-se aos galegos de Santa María de San Clodio (Leiro) e a Santa María de Oseira (Cea). Oseira e "tripulado" ainda por 12 monges. Esta dupla realidade de pertença a "Acigal" e a personalidades portuguesas não bate certo. O divórcio que tem estabelecido a "RMO" relativamente a Portugal é suficientemente esclarecedor, visto que não parece querer contar com um Caminho Português pleno e soberano. "RMO" fica no meio de nada com tanta contradição. Esta política interesseira, de bajulação e de focalização obsessiva por um empreendimento urbano acabará por tornar visíveis as intenções reais deste grupo empresarial.  

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